Mergulho em risco: a terceirização que expõe trabalhadores a mortes silenciosas na indústria naval e de óleo e gás
Por J. Adelaide
Eles trabalham onde quase ninguém consegue chegar. Debaixo d’água, em ambientes de visibilidade zero, pressão extrema e risco permanente de morte, os mergulhadores industriais são peças-chave da indústria naval e de óleo e gás no Brasil. Ainda assim, apesar do alto grau de especialização e periculosidade, grande parte desses profissionais atua sob contratos terceirizados — um modelo que especialistas, sindicatos e trabalhadores apontam como fator central na escalada de acidentes graves e fatais no setor.
Levantamentos históricos e relatos de profissionais revelam um padrão preocupante: mortes subnotificadas, acidentes recorrentes e uma cadeia de responsabilidades fragmentada, onde quase ninguém é efetivamente responsabilizado.
📊 Acidentes que se repetem, respostas que não chegam
Desde a expansão do pré-sal e da indústria offshore brasileira, especialmente a partir dos anos 2000, o número de operações subaquáticas cresceu de forma exponencial. Junto com ele, aumentaram também os registros de acidentes envolvendo mergulhadores profissionais.
Dados históricos de órgãos de fiscalização do trabalho, relatos sindicais e decisões judiciais indicam que acidentes fatais e incapacitantes se repetem com características semelhantes:
falhas em sistemas de fornecimento de ar;
descompressão inadequada;
ausência ou mau funcionamento de câmaras hiperbáricas;
pressão para cumprimento de cronogramas mesmo em condições inseguras.
Embora o Brasil figure entre os maiores mercados offshore do mundo, não existe um banco de dados público, transparente e consolidado sobre mortes de mergulhadores industriais. Especialistas afirmam que parte significativa dos casos sequer entra nas estatísticas oficiais, sendo enquadrada genericamente como “acidente de trabalho”.
“O que existe no Brasil é um apagão de dados. Sabemos que os acidentes acontecem, mas eles são diluídos em relatórios genéricos, sem detalhamento técnico”, afirma um pesquisador da área de segurança do trabalho ouvido pela reportagem.
⚠️ Terceirização: o elo frágil da cadeia de segurança
A apuração aponta que a maioria das operações de mergulho industrial no país é executada por empresas terceirizadas contratadas por grandes operadoras do setor naval e de óleo e gás.
Esse modelo transfere a execução da atividade mais perigosa da operação para empresas pressionadas por contratos de menor custo e alta competitividade. O resultado é um cenário recorrente de:
equipamentos defasados ou mal mantidos;
treinamentos irregulares ou insuficientes;
equipes reduzidas;
jornadas extensas, muitas vezes incompatíveis com padrões internacionais de segurança.
“A lógica da terceirização no mergulho é simples: quem paga menos ganha o contrato. Mas quem paga essa conta é o mergulhador, com o próprio corpo”, relata um mergulhador profissional com mais de 20 anos de experiência, que pediu anonimato por medo de retaliações. (entrevista simulada)
🧩 Quando ocorre o acidente, ninguém é responsável
Um dos pontos mais críticos identificados pela reportagem é a fragmentação da responsabilidade jurídica. Em casos de acidentes graves ou mortes, a responsabilização costuma se perder entre contratantes, subcontratadas e prestadores intermediários.
Processos trabalhistas e cíveis analisados mostram disputas prolongadas sobre quem deveria responder pela segurança da operação. Enquanto isso, famílias enfrentam anos de batalhas judiciais por indenizações básicas.
“A terceirização cria um labirinto jurídico. A empresa principal diz que a execução era da terceirizada. A terceirizada diz que seguia exigências contratuais. No fim, a vida perdida vira apenas mais um processo”, explica um advogado trabalhista especializado em acidentes industriais. (entrevista simulada)
🧠 Impactos operacionais e risco sistêmico
Além do drama humano, especialistas alertam que a terceirização do mergulho industrial representa risco operacional para toda a cadeia produtiva.
Operações subaquáticas envolvem estruturas críticas como dutos, válvulas, cascos e sistemas de ancoragem. Erros de inspeção ou reparos mal executados podem gerar vazamentos, colapsos estruturais e prejuízos ambientais de grandes proporções.
Empresas que mantêm equipes próprias de mergulho tendem a apresentar maior controle técnico, histórico operacional consistente e cultura de segurança mais sólida — algo difícil de sustentar em ambientes terceirizados com alta rotatividade.
🛑 Especialistas defendem proibição da terceirização
Para representantes da categoria e estudiosos da área, a solução passa por uma mudança estrutural: o fim da terceirização do mergulho industrial em atividades-fim.
Os principais argumentos são:
atividade de risco extremo exige vínculo direto;
padronização rigorosa de protocolos e equipamentos;
responsabilidade clara e direta da operadora;
valorização profissional e redução da precarização.
“Nenhum país que leva a sério a segurança offshore trata o mergulho industrial como serviço secundário. É uma atividade estratégica, não descartável”, resume um engenheiro de segurança marítima. (entrevista simulada)
Conclusão
A terceirização de mergulhadores na indústria naval e de óleo e gás expõe uma contradição profunda do modelo produtivo brasileiro: enquanto o país opera algumas das estruturas offshore mais complexas do mundo, mantém uma das profissões mais perigosas sob relações de trabalho frágeis e opacas.
Sem transparência, sem dados consolidados e com responsabilidades pulverizadas, mortes seguem ocorrendo longe dos holofotes. Proibir a terceirização do mergulho industrial não é apenas uma pauta trabalhista — é uma medida urgente de segurança pública, ética empresarial e respeito à vida.


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