Do Souvenir ao Crime Ambiental
A limpeza de estruturas submersas, as normas ambientais e a dispersão silenciosa de espécies invasoras no offshore brasileiro
Durante muitos anos, mergulhadores comerciais offshore tinham o hábito de recolher conchas e corais retirados durante a limpeza de estruturas submersas. Eram organismos já desprendidos do aço, arrancados de jaquetas, risers e dutos, que acabavam levados para terra como lembranças ou presentes a colegas de bordo.
Hoje, essa prática está corretamente proibida.
E não há controvérsia nisso.
A coleta de organismos marinhos sem autorização viola a legislação ambiental brasileira, contraria normas do Ibama e fere princípios básicos de conservação da biodiversidade. O que antes era visto como um gesto inofensivo passou a ser enquadrado como infração ambiental — e a mudança era necessária.
O problema, contudo, não está na proibição.
Ele começa na forma como as limpezas continuam sendo feitas.
A norma está certa
Do ponto de vista legal e ambiental, a regra é clara:
Nenhum organismo marinho pode ser coletado ou levado para terra sem autorização
Todo material biológico pertence ao meio ambiente
A retirada individual configura infração ambiental
Essas normas existem para:
Evitar coletas predatórias
Impedir o transporte indevido de espécies
Proteger ecossistemas naturais
Garantir controle e responsabilidade institucional
Proibir o “souvenir” foi um avanço.
Mas a proteção ambiental não termina aí.
Limpeza sem contenção: o ponto cego
Apesar do rigor normativo, a maioria das operações de limpeza biológica submersa offshore não utiliza métodos eficazes para evitar a dispersão de espécies invasoras.
Na prática operacional:
Escovas, raspadores e hidrojateamento removem incrustações
Corais, ascídias e briozoários se fragmentam
Tecidos viáveis e larvas entram na coluna d’água
As correntes completam o processo de dispersão
Sistemas como:
Barreiras físicas submersas
Coleta confinada
Sucção com retenção biológica
Tratamento adequado do material removido
raramente são empregados e, muitas vezes, nem sequer são exigidos nos planos ambientais.
O resultado é um paradoxo:
A estrutura fica limpa, mas o ambiente ao redor recebe uma carga adicional de organismos invasores.
Recifes artificiais não planejados
Plataformas de petróleo, jaquetas e dutos funcionam como recifes artificiais permanentes. Oferecem:
Substrato duro
Fluxo constante de nutrientes
Estabilidade estrutural
Pouca pressão de predadores naturais
Essas condições favorecem espécies oportunistas — especialmente invasoras, como:
Tubastraea spp. (coral-sol)
Hidroides e briozoários não nativos
Muitas dessas espécies se reproduzem justamente por fragmentação — o mesmo processo intensificado durante limpezas sem contenção.
O paradoxo ambiental da limpeza
Forma-se então uma contradição difícil de ignorar:
A legislação impede corretamente que o organismo seja levado para fora do ambiente
A operação permite que ele seja fragmentado e espalhado dentro do ambiente
Não se trata de defender práticas antigas.
Trata-se de reconhecer que limpar sem conter não é uma solução ambiental completa.
O mergulhador entre a lei e o fundo do mar
O mergulhador comercial offshore:
Não define o método de limpeza
Não escolhe se haverá contenção
Não decide o destino do material removido
Ele executa procedimentos aprovados, mesmo quando observa que:
Fragmentos permanecem viáveis
Colônias retornam rapidamente
A limpeza apenas redistribui o problema
O conhecimento de quem está submerso todos os dias raramente é incorporado aos planos ambientais.
O que falta não é norma — é exigência técnica
O Brasil possui um arcabouço legal ambiental sólido.
O desafio está em traduzi-lo em prática operacional, com:
Protocolos específicos para espécies invasoras
Métodos obrigatórios de contenção durante a limpeza
Tecnologias acessíveis de coleta e retenção biológica
Participação técnica dos mergulhadores no planejamento ambiental
Proibir o souvenir foi correto.
Ignorar a dispersão, não.
Conclusão: proteger é mais do que proibir
A proteção ambiental offshore não se limita a impedir que algo saia do mar.
Ela exige garantir que aquilo que permanece não se espalhe de forma descontrolada.
Enquanto a contenção continuar sendo exceção — e não regra —
as espécies invasoras seguirão se beneficiando de operações que, paradoxalmente, existem para proteger o meio ambiente.
Do souvenir ao crime ambiental, o Brasil avançou na norma.
Agora precisa avançar no método.

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