Mergulhadores em Excesso, Vagas em Falta: A Crise Silenciosa do Mergulho Profissional no Brasil
O mergulho profissional brasileiro vive uma contradição profunda e pouco discutida fora do próprio meio: forma-se mais mergulhadores do que o mercado é capaz de absorver, enquanto aqueles que conseguem ingressar enfrentam baixa remuneração, precarização e padrões de segurança incompatíveis com o risco extremo da atividade.
Longe de ser uma profissão escassa ou elitizada, o mergulho profissional tornou-se, ao longo dos anos, uma categoria inflada, desvalorizada e empurrada para a informalidade — uma realidade que cobra seu preço em acidentes, adoecimento e abandono da carreira.
🎓 Formação Existe — Emprego, Não
É verdade que o Brasil possui poucas escolas formalmente reconhecidas pela Marinha do Brasil para a formação de mergulhadores profissionais, como unidades do SENAI, a Divers University e a Mergulho Pró. No entanto, isso não significou controle de mercado, muito menos equilíbrio entre oferta e demanda.
Ao contrário:
📌 Ao longo dos anos, centenas de profissionais foram formados sem que houvesse expansão proporcional do mercado de trabalho.
📌 Muitos alunos investiram altas quantias em cursos acreditando em promessas implícitas de empregabilidade que nunca se concretizaram.
📌 O resultado foi uma massa crescente de mergulhadores habilitados competindo por pouquíssimas vagas reais.
A formação, por si só, não garante inserção profissional, e o sistema nunca foi acompanhado por estudos sérios de absorção de mão de obra.
📊 Um Número que Expõe a Crise
Em 2014, estimava-se que apenas cerca de 2.500 mergulhadores estavam com documentação válida junto às Capitanias dos Portos, apesar de o número de profissionais formados ao longo das décadas ser muito maior.
Esse dado revela duas realidades duras:
Muitos não conseguem sequer iniciar a carreira, abandonando antes da primeira oportunidade real.
Outros deixam de renovar a documentação por falta de trabalho contínuo, custos médicos e ausência de retorno financeiro.
A exigência de renovação a cada cinco anos, embora correta do ponto de vista técnico, acaba funcionando como um filtro econômico, excluindo quem não conseguiu se manter ativo.
💼 Pequenas Empresas, Grandes Riscos
Para aqueles que conseguem trabalho, o cenário raramente é o esperado.
🔻 A maior parte das oportunidades está em pequenas empresas, muitas vezes terceirizadas ou subcontratadas, operando no limite da legalidade.
🔻 É comum a ausência de:
planos formais de emergência,
supervisão qualificada,
equipamentos certificados,
cumprimento rigoroso das normas da Marinha.
O excesso de profissionais disponíveis cria um ambiente de substituição constante: quem questiona condições inseguras simplesmente é trocado por outro disposto a aceitar menos.
💰 Desvalorização Sistemática da Profissão
O fator mais corrosivo dessa equação é econômico.
📉 O excesso de mão de obra derrubou salários ao longo dos anos, criando uma distorção grave:
remunerações incompatíveis com o risco físico,
ausência de adicional de periculosidade compatível, indenização por desgaste orgânico irrisória
inexistência de pisos salariais nacionais ( Salário base próximo ao salário mínimo),
vínculos frágeis ou inexistentes.
Em muitos casos, o mergulhador profissional ganha menos do que trabalhadores de atividades industriais de risco significativamente menor, mesmo operando em ambientes hiperbáricos, confinados e de difícil resgate.
Essa desvalorização não é acidental — ela é estrutural.
⚠️ Quando o Mercado Premia o Risco, Não a Segurança
O excesso de profissionais disponíveis cria um efeito perverso:
➡️ vence quem aceita menos, trabalha mais e questiona menos.
Isso impacta diretamente a segurança operacional.
Normas existem — como as NORMAM da Marinha — mas, na prática, o mercado informal e a pressão econômica empurram operações para o limite, onde o erro custa caro.
Não é coincidência que o mergulho profissional continue sendo uma das atividades mais perigosas do país, mesmo com décadas de evolução técnica.
🧭 Regulamentar Não É Criar Mais Mergulhadores — É Proteger os que Já Existem
Projetos de regulamentação da profissão em tramitação no Congresso apontam para um caminho necessário, mas frequentemente mal interpretado.
O problema não é falta de profissionais, e sim:
excesso de formação sem planejamento,
ausência de controle de mercado,
falta de garantias mínimas de remuneração e segurança,
inexistência de uma política nacional para o setor.
Sem enfrentar esses pontos, qualquer estímulo à formação apenas aprofundará a crise.
🕳️ Conclusão: Profissionais Demais, Reconhecimento de Menos
O mergulho profissional brasileiro não sofre por falta de coragem, técnica ou vocação.
Sofre por excesso de profissionais para um mercado pequeno, desorganizado e permissivo com a precarização.
Enquanto não houver: ✔ controle responsável da formação,
✔ valorização econômica real,
✔ fiscalização efetiva,
✔ e reconhecimento do risco envolvido,
o país continuará formando mergulhadores que jamais terão a chance de exercer plenamente a profissão — fantasmas do mar, qualificados, treinados e invisíveis.

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